Fès - a cidade que tocou - (Marrocos)

Caminhar por outras ruas, ouvir outras vozes, ver outras roupas, outras comidas, outros sorrisos, um olhar mais vivo. Viver e sentir outras... tocou.
A vontade de chorar era constante, era como entrar em um túnel do tempo.
Uma emoção do contato direto com pessoas que tem um espírito e uma simplicidade sem tamanho. Outra cultura.
Estar na porta de uma mesquita e ter vontade de entrar, estar aí por duas horas e se purificar... Sentir a alma leve e limpa. Tocar no mais fundo da alma.
O ruído.
O ruído da cidade é puro, apesar da quantidade de motos e carros, a cidade tem um ruído de floresta.
Falta poluição, falta briga de alto-falantes, falta o ruído das BMW´s bestas, falta o ruído da ganância e do ridículo. Que bom, muito bom.
Sobra paz, sobra olhares, sobra sorrisos, sobra luz, sobra toque.
O conceito de luz muda.
A pobreza é visível e escancarada, de dar nó na garganta.
O conceito de pobreza muda.
Ele vivem bem, muito bem, buscam um cuidado com o seu interior, um cuidado tão grande que o exterior se faz pequeno.
O mundo é pequeno para o que eles tem dentro. O mundo é MUITO pequeno para o que eles tem dentro.
A voz é outra. Mais baixa, ritmada e tranqüila. Quando falam, parecem cantar... cantar uma bossa nova... daquelas dos tempos de paz e amor. Algumas pessoas da nossa cultura perderam o sentido de agrado da voz, gritam, berram, desafinam.
(Não é qualquer um que pode viajar para o Marrocos... é intenso)
As casa são típicas. Apenas uma porta velha, de pensar: "mas como vivem aí?"
Quando entramos... por de trás daquelas portas... se abrem casas grandes, espaçosas, jardins internos lindos... ou seja, a cultura é toda assim...
Tudo por fora parece descuidado -pessoas, casas, construçoes-mas por dentro são todos zelosamente cuidados.
As famílias que vivem nestas casas tem união, respeito e muito amor.
A família é a base e centro da cultura: cultivada, regada e nunca deixada.
É isso.
Todas as pessoas possuem jardins internos. Cuidam, regam, plantam, prestam atenção ao tempo. Respeitam e amam. Amam imensamente. Amam suas escolhas, demonstram suas escolhas.
Apesar do monte de tecido que esconde rostos e corpos, eles são desprovidos de vergonha.
Aliás, teriam vergonha de que?
Nunca vi povo tão firme e certo do que quér.
Nunca vi tanta solidariedade e cuidado com o outro.
Nunca vi tanta cara limpa e sorriso puro.
O cheiro forte do tempero da comida é marca registrada, e não é por acaso...
Quando fazem comida em casa, fazem em maior quantidade e temperam bem, para que o cheiro possa chegar na rua. Assim, as pessoas que estivérem passando perto da casa com fome, podem bater na porta e pedir um prato de comida. Isso é verdade, acontece sempre. E é lindo.
Fazem a comida pensando nos seus e nos outros. A solidariedade é temperada.
Fès me deu uma chance.
A chance de viver a vida mais descarada, a chance de mostrar apenas para mim tudo que quero, sou e acredito.
A certeza de olhar para trás e dentro e ver o quanto sou feliz, a trajetória que fiz, e apenas reafirmar que tudo que aprendi com minha família é lindo, puro e cheio de amor.
A chance de sair de rolos sem valor.
A chance de olhar para as pessoas e não buscar mais nesse olhar alguma necessidade.
A chance de acreditar ainda mais na minha sensibilidade e em tudo aquilo que os meus olhos vêem.
A chance de viver do meu olhar (que vê coisas lindas).
E eu aceitei. Fes venho dentro. E venho forte.
A mesma muralha que cerca a medina, é a muralha que construi para cuidar da minha paz.
E essa muralha tem portas.